Resenha: Travessuras da menina má

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Ler um romance implica em sair de onde você está e mergulhar no desconhecido. Transportar-se para outra realidade apenas através das palavras e do poder mental de visualização e imaginação é uma das mais fantásticas possibilidades ofertadas pela leitura de obras de ficção. Em Travessuras da menina má, de Mário Vargas Llosa, o vislumbre é maior pela delícia de cruzar cenários e contextos históricos de diferentes locais: Peru, França e Espanha. Desse modo, as desavenças da paixão entre Ricardito e Otilia se revezam no grau de importância frente a esses cenários deslumbrantes.

O estilo narrativo de Llosa é leve, saboroso, muito assemelhado a uma crônica. Não há verborragia, nem floreios linguísticos, nem traquinagens com a língua. Não há apelo para que os personagens sejam mais do que são, sejam heróis indestrutíveis ou totalmente fracassados. É tudo muito natural, sem esforço, embora, em alguns momentos, há deslizes folhetinescos que adocicam ou salgam a trama. Normal, nada que comprometa o resultado final da obra, um verdadeiro convite para uma viagem por décadas diferentes, cruzando a vida e a morte de pessoas e personagens variados.

Outro ponto interessante em um dado momento é a inserção do contexto político do Peru, com as movimentações em torno da Esquerda no país, além do retrato dos problemas econômicos e sociais que assolam a população. Esses problemas se refletem na construção do psicológico dos protagonistas, que buscam fora de lá um lugar ao sol e melhores condições de vida, seja para sobreviver, seja para viver seus sonhos e ilusões. De ilusões, Ricardo e Otilia se nutrem, cada um ao seu modo, e as carregam ao longo da vida: Ricardo, mais modesto, com o desejo de viver em Paris como tradutor, retratada de modo charmoso e outonal; Otilia, a pseudo-vilã, encontra no golpe a chance de superar sua infância e adolescência pobres, enquanto pisa no pobre Ricardo, conquanto seja conquistada por ele no percurso da trama.

Há profundidade nas palavras de Llosa, e ao mesmo tempo não há, porque o estilo linguístico de “Travessuras” é quase uma reportagem literária. Volta e meia vem o romance romântico, mas de forma muito contida e dosada, o que não pode ser encarado de forma negativa. Pelo contrário: é justamente esse comedimento o responsável pela leveza da trama, com pinceladas de crônica e pitadas de reportagem. Ricardito é ótimo: é contido na construção de suas ambições. Já Otilia, ou madame Arnoux, ou esposa de Fukuda, ou quaisquer outras máscaras vestidas pela sua ganância desenfreada, é aventureira e sem limites. O contraste desses opostos dá sabor ao romance entre ambos, que cruza variados contextos históricos e se modela ao tom de cada um.

Travessuras da menina má: tão natural e tão saboroso quanto são as ilusões e as desilusões dessa jornada pelas bandas de cá.

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