Era a noite fria e úmida de sempre nas ruas de Dublin.
Eu tinha acabado de sair de mais uma aula de atuação, na Gaiety School of Acting, uma boa e tradicional escola de teatro que lutava para pagar as mensalidades mês a mês.
Passeando pelos lugares que mais gostava de fotografar, principalmente os escuros e assustadores, acabei de receber uma mensagem no whatsapp da minha mãe.
Morando no Brasil, ela estava longe de tudo que eu estava vivendo. Ela nunca conseguiu entender como é morar no exterior de fato.
A mensagem que ela acabou de enviar, no entanto, era apenas um bastão fofo, adorável e doce. Eu sabia que ela estava faltando para falar comigo. Então imediatamente eu ligo para ela e conversamos enquanto eu ainda estava passando.
A conversa estava fluindo quando eu disse que tinha acabado de sair de mais uma aula de atuação.
Ela fez uma pausa.
Então ela disse:
“Ah, cuidado… Você não é mais tão jovem assim… a vida tá indo e você meio velho pra investir nesse tipo de coisa…”.
Meu bom humor de sempre foi embora exatamente nessa hora. Eu me considero uma pessoa muito estável emocionalmente. Não tenho altos e baixos com frequência e, agora, como estou meditando todos os dias, busco ainda mais o equilíbrio interior e um bom senso de realidade.
Mas quando ela disse isso, fiquei com muita raiva. Não que eu tenha começado a discutir com ela. Não.
A conversa continuou fluindo sem mais problemas. E, felizmente, não há mais “conselhos” também.
Fiquei com essas palavras na cabeça por dias. Olhei para o espelho e comecei a procurar rugas ao redor dos olhos.
Aí eu falei: “que porra você tá fazendo da vida, cara?”.
Sim, eu estava ficando velho.
E felizmente ainda estou envelhecendo, caso contrário, estaria morto. Mas isso ainda não é o ponto que eu quero falar.
Depois que as palavras continuaram voando em minha mente por horas e horas, eu tinha duas opções a fazer: simplesmente desistir das aulas ou manter a pista.
Então aconteceu a reviravolta na história da mente. Às vezes, temos uma espécie de iluminação em nossos pensamentos que faz nossa mentalidade pensar assim:
“como não pude pensar isso antes?”.
Eu me fiz essa pergunta:
“O que os idosos fazem quando envelhecem?”
Bem, eu não sei você, mas ouvi pessoas que quando envelhecem dizem para si mesmas que é hora de começar a fazer o que amam, o que realmente querem.
Para os aposentados que têm boa saúde e boa mentalidade, eles procuram se manter ocupados, a fim de preencher suas vidas com um sentido, um novo e novo significado.
Claro que existem aqueles que não pensam assim.
Eu disse a mim mesmo:
“Como estou muito velho, vou fazer o que eu quiser. Não há mais desculpas. Estou velho, estou perto de morrer, preciso fazer coisas antes de morrer”.
Pensar dessa forma foi a reviravolta cômica que eu precisava para seguir meu caminho, para não ouvi-la ou, melhor ainda, ouvi-la do lado oposto.
Desde que saí do Brasil e comecei a fazer coisas que gosto, diferentes, comecei a aplicar essa estratégia na minha vida:
seguir os conselhos da minha mãe na direção oposta.
Quando ela disse “sim, faça isso”, senti que estava errado; quando ela disse “não, troca”, eu mantive a ação.
Bom, resolvi trabalhar assim e as coisas começaram a fluir. Claro que não é que tudo aconteceu perfeitamente, mas as coisas foram caminhando em um novo rumo na minha vida.
Então, desde aquele dia, mantive meu foco nas artes cênicas. Penso comigo mesmo que investi tanto dinheiro nisso, e não apenas dinheiro, mas energia, tempo, pensamento, escolhas e tudo mais que não tinha outra direção a seguir. Eu tive que manter minha trilha no caminho que escolhi.
E não foi só porque eu queria ou porque “atuar é lindo, engraçado e divertido”. Todos nós sabemos como é a vida de um ator. Sabemos como pode ser imprevisível é esta vida.
Nossos pais estão certos quando dizem coisas como minha mãe disse naquela noite. Ela fez isso porque, em sua mente, a vida deveria ser no mínimo previsível. A vida deve ser uma linha de uma direção.
Ela veio desta geração. Ela veio de outra época, onde as coisas eram mais estáveis e previsíveis.
Bem, eu tenho pensado muito sobre minhas escolhas para trabalhar com arte. Tive a oportunidade de sair do conforto da minha casa, no Brasil, e investir numa aventura pelas águas e terras da Europa.
Em Dublin, eu dividia quartos, banheiros e cozinhas o tempo todo. E mais do que isso: dividi minha vida com estranhos o tempo todo, tendo o mínimo de conforto, trabalhando em coisas que nunca na minha vida imaginei trabalhar.
No Brasil fui jornalista com contatos e possibilidades profissionais a caminho. No Brasil eu tive um relacionamento confortável com uma pessoa incrível com quem eu poderia estar pelo resto da minha vida, provavelmente.
Adorava a cultura da minha região, as artes, a música, o carnaval, aquecer as pessoas. E no final dos meus 20 anos, me mudei para o exterior. Deixei tudo isso para trás, em busca de um novo sentido para minha vida.
Disse a mim mesmo que ainda tinha tempo. Não via a hora de conseguir um emprego vitalício que me permitisse morar fora por um mês durante as férias e depois voltar para minha terra para seguir a vida normal de sempre.
Apesar de tudo o que mencionei, não me sentia feliz. Eu não tinha depressão ou transtorno mental ou emocional.
Eu apenas me sentia insatisfeito com a minha vida.
Eu tinha um sonho de morar no exterior, pelo menos por um tempo, e isso começou em mim muitos anos antes da mudança.
Então, depois de longas horas andando na praia, andando sozinho, andando nas ruas, tomei a decisão e tudo começou no mundo fora da minha cabeça.
Tive aulas de atuação. Uma oportunidade que não tive quando era criança, mesmo estudando em escola particular e me inscrevendo em peças estudantis.
Eu estava morando no exterior e tendo aulas de teatro em um idioma que não era meu originalmente. Foi doloroso cada aula.
Eu me senti totalmente exposta. Senti que meu nível de inglês não era suficiente para estar lá. Senti a síndrome do impostor, na qual sentimos que não merecemos fazer parte de algo do qual estamos fazendo parte.
Mas eu tinha que ir para as aulas. A cada aula terminada, me sentia mais forte. Eu senti que poderia ir embora, poderia ultrapassar meus limites.
Então, eu não tinha desculpas para desistir. Eu não tinha desculpas para ouvir coisas que não iriam construir nada de bom em mim. Eu tive que me esforçar e apenas andar.
E volto a dizer a mim mesmo que se eu não tiver sucesso na minha vida, especificamente neste objetivo, pelo menos eu tive coragem de seguir em frente e viver minha vida do jeito que eu achava que merecia viver e não do jeito que minha família ou meu contexto cultural me ordenou.
Eu me mudei porque queria provar a mim mesmo que poderia encontrar um verdadeiro significado para minha vida, mesmo que o processo para alcançá-lo fosse doloroso.
A vida precisa de mudança e a mudança pode ser dolorosa, mas dor é vida. Depois da dor, aí está o resultado. Você não precisa sentir dor, mas ela pode vir, querendo ou não.
Agora, eu só desejo a você liberdade para viver a vida que você quer ser e coragem para pagar o preço por isso.
Se alguém disser que você está velho para fazer alguma coisa, faça como a maioria dos velhos fazem quando percebem que estão velhos:
“Farei o que amo. Agora.”