Crônicas do Brasil, parte 3: I Love Nordeste

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O Nordeste é mais do que uma região brasileira. É um verdadeiro símbolo cultural. Quando pensamos em Nordeste não pensamos apenas num lugar, um grupo de estados, ou apenas uma região litorânea.

Pensamos em sua música, suas artes, artesanatos, artistas, sotaques, jeitos de ser, irreverências, manifestações culturais. Mas as outras regiões brasileiras também ainda remetem O NE à seca, subdesenvolvimento, atraso econômico e social.

Há muito preconceito em torno de como o Nordeste é visto fora dele mesmo, muita desinformação que alimenta o imaginário defasado de muita gente e assim como os pensamentos xenófobos Brasil afora. Somos reduzidos a apelidos como Paraíba, Ceará, cabeça-chata, preguiçoso, dentre outros.

Atores e jornalistas, no Sudeste, ainda são forçados a reduzir sua regionalidade para conseguir trabalhos no audiovisual.

Uma prática que violenta a identidade cultural e autoestima do Nordestino, que migrou massivamente para outras regiões e ergueu a maior cidade do País, São Paulo. O que seria de São Paulo sem a mão de obra de milhões de pernambucanos, cearenses, baianos, alagoanos, potiguares, paraibanos, maranhenses e piauienses?

Meu regresso ao Nordeste foi para relembrar de onde sou e perceber que a região acolhe outros brasileiros e estrangeiros com um calor humano difícil de se encontrar em outras partes do mundo. Minha primeira experiência foi em uma lanchonete em Carpina, município a 45 quilômetros do Recife. Apenas pelo simples tom de voz, pude perceber o tom afetivo, carinhoso, doce, da atendente, um leve sorriso de canto a canto e uma boa vontade em explicar tudo o que havia na vitrine. É sempre assim? Não. Mas de um modo geral, é isso que encontramos.

O Nordestino tem um jeito muito informal de se relacionar com os outros, de se mostrar. Eu mesmo me percebi assimilando esse comportamento ao longo dos dias de convivência com minha família. Nós temos um jeito muito particular de demonstrar carinho um pelo outro. É um jeito meio “agressivo”, em que a gente grita, morde um e outro, e em seguida abraça, segue o rumo, ninguém fica ofendido com nada, ou se ficar, engole, a relação continua.

Eu me percebi assim, falando mais alto do que de costume, sendo um pouco mais “seco” no tato com os outros, sem me preocupar muito em pedir licença, em demonstrar “educação”. Ser “educado” no Nordeste não é a mesma coisa que no resto do país. A quebra de formalidade faz com que certas reverências sejam deixadas de lado. No lugar, fica uma comunicação mais direta, mais impactante, calorosa, menos preocupada com a sua “roupa”, sua forma.

No dia a dia pelas ladeiras das Olindas, os vendedores riem o tempo todo, conversam com os clientes como se fossem amigos de longa data, e negociam suas cervejinhas com apenas duas ou três frases. A caminho do Recife, saindo de Vicência, dentro do ônibus, eu fiz questão de seguir a tradição de comprar milho assado dos vendedores em Paudalho, município da Região Metropolitana que dista 37 km da capital. A venda é feita muito rapidamente e não dá tempo de ter muita “educação” nos segundos em que ela acontece.

O carnaval do Recife me presenteou conhecer pessoas em um piscar de olhos e novas relações brotaram no seu decorrer. Novos amigos e afetos. E com eles embarquei numa aventura que se esticou pelos estados da Paraíba e Rio Grande do Norte.

Na Paraíba conheci o charmoso pôr do sol da Praia do Jacaré, que acontece religiosamente todos os dias por lá com um saxofonista a cruzar seu rio. De lá, visitei o estonteante SKY Bar, o 2o bar mais alto do Brasil (é preciso pagar para entrar), e que garante uma vista longínqua da cidade de João Pessoa, que ainda desfruta de uma horizontalidade bem significativa, com prédios cujas alturas ainda respeitam limites e permitem o correr dos ventos.

De João Pessoa, embarquei para uma aventura no coração de uma cidade que é um xodó meu e de milhares de turistas brasileiros e internacionais. A Praia de Pipa, que faz parte do município de Tibau do Sul, dista 84 km da capital Natal, Rio Grande do Norte, e converge tudo que amantes de uma boa experiência litorânea buscam.

De dia, suas praias calmas e selvagens oferecem uma abundância de locais para descanso, bem limpas e conservadas. À noite, quem quer ferver vai se esbaldar no centro da cidade, com muitos bares, boates, restaurantes e gente pipocando por todos os lados.

Os gringos se esbaldam principalmente com a música brasileira, entre reggaetons e música eletrônica. Em termos de segurança, a praia é uma tranquilidade total, e nos dias em que estive por lá não houve registro de nadinha de nada, nem mesmo uma briga.

A única observação é referente ao excesso de carros que cruzam as ruelas da cidade, nada preparada para receber essa enchente de máquinas motorizadas a soltar fumaça e fazer barulho por todos os lados. Ainda bem que não, porque a beleza de Pipa é esse ar de cidade de praia do interior conectada ao mundo. A cidade também enfrenta problemas em lidar com esse boom turístico ávido pelas suas ricas paisagens e seu verde, e mesmo leis ambientais não impedem totalmente o desmatamento de sua extensa flora.

Ficamos no hostel Lagarto na Banana, um pouco afastado do centro, mas bem próximo do famoso Chapadão: uma imensa colina no alto da Praia do Amor. Suas formações rochosas estão tomadas de coraçõezinhos esculpidos em seus quatro cantos.

O hostel Lagarto na Banana tem clima de comunidade alternativa hippie. Chegamos e fomos calorosamente recebidos, conduzidos e bem informados sobre a abundante programação do hostel, com direito a Speed Dating (uma dinâmica de encontros em que os participantes rapidamente conhecem e se conectam com outros hóspedes), além de meditação, yoga, Jam Session, e muito mais.

Cada vez que um hóspede deixa o hostel ele recebe uma carinhosa salva de palmas. É o lugar ideal para fazer amigos, conhecer gente do mundo inteiro. O clima de socialização é constante e quem chega sozinho rapidamente é levado a criar vínculos, já que suas mesas são todas coletivas, para 6, 8 pessoas, e todos se cumprimentam o tempo todo, quem você conhece ou não.

Não existem receios durante a interação (somente a noite em que os hóspedes precisam baixar o tom de voz por conta dos vizinhos. Lembro que estávamos conversando e alguém chegava com um shhhhhh para diminuir o volume do nosso “microfone”).

O café da manhã é farto, com frutas, bolo, pão, e claro o rei do Nordeste, o bom e velho cuscuz. Além da comida boa, as interações, que fluem tão rapidamente, levam o café da manhã a inevitavelmente se prolongar, sem falar das redes espalhadas pelas suas árvores, uma piscina aquecida, uma casa na árvore e ainda uma geladeira lotada de livros no meio da mata.

Quem quer mais privacidade vai para as tendas. Mas prepare o repelente, porque os mosquitos vão aparecer, viu? O hostel é a opção favorita para os jovens, mas quem tem espírito jovem e dispensa confortos como ar condicionado e suítes, vai com certeza amar a experiência, num ambiente de muita calma, tranquilidade e sorrisos por todos os lados. Foi uma chave de ouro para as minhas andanças Nordeste afora.

De Pipa, voltei ao Recife para uma despedida final da capital pernambucana, e passeei pelo centro de comércio popular da cidade, com destaque para o Mercado de São José, onde comprei souvenires e uma nada básica tanga de praia com a bandeira de Pernambuco.

Nunca vi um Estado brasileiro que homenageia com tanta ardência a própria bandeira, um verdadeiro símbolo de marketing, estampado em tudo quanto é tecido, camisa, camiseta e “brebute” (coisinhas, “negocinhos”).

Retorno a Lisboa com a sensação de “dever cumprido”, de ter usado e abusado bem de cada hora, cada segundo, cada milésimo de instante oferecido pelo país em que nasci. De tantas lições aprendidas ao longo das semanas, a mais importante foi aprender a confiar na vida, saber que fazemos a nossa parte e o resto é preciso simplesmente entregar, deixa que o próprio caos tome conta.

Estar no imprevisível é estar nas ondas, que correm por si mesmas e só nos resta deixar que elas nos levem.

Ainda há muito o que se melhorar no país. Falta muita coisa. Mas também tem encantos pra turista ver sim. Ouvi tantos turistas estrangeiros maravilhados com a nossa terra… surpreendidos e com desejo de explorar o país ainda mais.

No Brasil, a gente esquece de tudo, esquece de guerras em outros lugares, de conflitos armados. A gente meio que se isola na imensidão continental do maior país da América Latina, e anda num novo ritmo, por vezes mais lento, enquanto sorrisos nos acompanham e belezas humanas, urbanas e naturais pipocam pelas suas ruas, esquinas, cantos e recantos.

Viva Pernambuco, viva o Nordeste, viva o Brasil.

O Brasil é foda.

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