Crônicas da Áustria: em Viena, a cidade da Valsa

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sobre perder o avião, ficar de castigo e aprender com isso

Quando a gente pensa em Viena, na Áustria, nós, brasileiros, não temos às vezes muita noção de que lugar é esse. Existem lugares no mundo que parecem pouco visuais pra gente.

Somos muito influenciados pela cultura norte-americana, dos países ibéricos e da Europa mais próxima a nós, o que contempla Portugal, Espanha, França e Itália.

A Irlanda é um caso recente, devido à explosão de brasileiros e outros latinamericanos que por lá chegam ávidos para ganhar em euros e beber cerveja aprender Inglês.

Quando avançamos para uma Europa mais profunda, já não temos muita noção do que existe por lá. Então ir para a Áustria foi ir em busca de referências culturais que já trazia em mim e que fazem parte da cultura brasileira e do mundo ocidental.

Basta lembrar que é de Viena a tradicional valsa, que embala aniversários, festas, comemorações de todos os tipos e geralmente é tocada quando os saltos dos sapatos ainda estão inteiros e ainda é possível sentir o cheiro do perfume na roupa alugada para o casamento (logo depois, que o desodorante nos salve).

A famosa Danúbio Azul é uma tradição nos nossos festejos, e no mundo inteiro, e foi de Viena, a capital austríaca, que surgiu esse ícone cultural.

Viena é a cidade da música clássica, e basta dar uma rápida busca no Google para encontrar mais informações.

Mas eu não quero aqui, assim como nos outros textos de viagens, ser um guia turístico para os leitores.

Prefiro falar sobre minhas impressões pessoais e afetivas desses locais, das sensações e curiosidades que cada endereço despertou em mim, um típico diário de viagem, assim como foi em Santiago de Compostela, Wicklow, Berlim e Brasil.

Com a explosão da inteligência artificial, os inúmeros robôs que pirateiam o conhecimento e o facilmente sistematizam num piscar de olhos, onde é que a gente fica nesse mundo? Na criatividade e, principalmente, na pessoalidade.

Os robôs já conseguem reproduzir nossa criatividade, mas o ser subjetivo, o ser pessoal ainda é um capítulo com o qual eles estão pouco familiarizados. Nada mais infinito do que a alma humana, e os robôs ainda estão em busca dessa alma.

Que venha o fim do mundo (mas que venha como um grande carnaval).

A caminho de Viena eu perdi a segunda aeronave, em voo de escala.

O voo foi seguidamente atrasado e quando finalmente estava perto de sair, houve uma antecipação de 20 minutos, o que me atrapalhou completamente para chegar ao portão.

De repente, recebi mensagens da companhia aérea a informar sobre o embarque, e minutos depois o portão estava fechado.

Eu disparei para o portão, botando os bofes pra fora, e ao lá chegar não havia mais ninguém. Ainda não sei se havia chegado à estação certa, mas no local onde parei havia uma fila de passageiros para entrar no avião, outro lado do vidro. Eu fiz sinais para que abrissem o portão, insistentemente.

Os funcionários na pista de voo não cederam, mesmo com minha insistência em entrar.

Eu permaneci ali, na vaga esperança de poder embarcar, quando chegou uma funcionária dizendo com toda aspereza possível de que não era mais possível fazer nada, que eu buscasse informação no balcão e que eles não tinham autorização para abrir.

Era fim de jogo. Eu fiquei atônito. Saí do portão e deixei a mala por lá. 20 minutos depois eu voltei correndo atrás da mala perdida no saguão, com meus cabelos em pé, sem saber o que fazer.

Ao chegar ao balcão, passei minha história, e fui informado de que tinha que escolher entre ir no voo para Bratislava às 23h30 ou aguardar a desistência de algum passageiro para o próximo voo para Viena às 21h e pouquinho.

Detalhe: eu tinha 30 minutos para tomar a decisão, ou teria que pagar a passagem por inteira.

Pedi um tempo, tentei por a cabeça no lugar, voltar para Lisboa não passava por minha mente. Decidi pagar. Eu não havia me planejado suficientemente e paguei mala extra para ir na cabine de cima.

Foi uma dentada que eu não tinha me organizado para tal, mas foi o que aconteceu, eu não tinha escolha. Ao aguardar no aeroporto de Milão, perto de embarcar, a fila que se formou foi imensa.

Recebi a confirmação de meu voo para Viena e corri para a nova fila, com o coração apertado pois teria apenas 1 hora para chegar ao portão de embarque. Todos estavam atônitos com o tamanho da fila e não havia razão aparente para tamanho caos.

Quando finalmente entrei no avião, em fila preferencial, eu havia pagado a bagagem extra, meu coração suspirou aliviado. Foi um dia inteiro de pouco sono, muita angústia, frustração e ansiedade.

Angústia de não embarcar, de não ter dinheiro suficiente para o que viria, de não saber se haveria avião para chegar ao meu destino. Eu estava planejado, mas não foi o suficiente.

Entra aí aqueles momentos em que a gente para e pensa nas famosas “lições”. Eu tinha que confiar na vida. Eu estava fazendo o meu melhor, ainda que com percalços, e de cagadas a gente não está totalmente livre.

Lidar com o imprevisível é perceber que nem tudo está ao nosso alcance, que o caos faz parte da vida e que não temos que temer ele para começar ou avançar nas nossas coisas e projetos.

Mergulhar no caos faz parte do processo de perceber o que está abaixo desse caos, dessa tempestade que faz nossa visão ficar turva, mas que quando a areia ou a água cederem, vai despontar em algo mais concreto.

Depois de tanto caos, cheguei à Viena. Era noite. Valentin, o austríaco mais brasileiro que existe, que havia conhecido no Carnaval do Recife, me esperava no aeroporto.

Mais um alívio. Fomos pra casa, eu ainda um tanto perdido, desencontrado.

Comemos um kebab (o kebab dominou o mundo). Cheguei à cidade numa semana em que a primavera ainda traria um resto de frio. Um frio que seria o último antes do sol de verão dali a poucas semanas.

Eu saí de Lisboa ainda estava um vento frio, mas o sol de Lisboa é sempre frequente, na maior parte do ano.

Cheguei em Viena com frio e chuva. Fiquei uma semana por lá e tivemos apenas um dia de sol.

Foi nesse dia que andamos pela cidade com mais tranquilidade e passamos pelos mais importantes pontos dessa metrópole arrebatada por influências árabes e com um passado que congrega a imponência do Império Austro-húngaro, com toda a força da monarquia aristocrática, e a chaga incurável do nazifascismo, até hoje uma ferida que une vários países marcados pela catástrofe do holocausto.

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