Capítulo 1: Os corredores de caixões

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A famosa palavra da Língua Portuguesa, Saudade, contém 4 vogais. No Português brasileiro, abrimos bem a boca pra pronunciar essas vogais que dão sonoridade e musicalidade à língua, um certo tom de leveza também. Na língua germânica, a minha impressão, é que quase não vemos vogais: veja Öffnungszeiten.

Eu tive de praticamente ver letra por letra no folheto pra poder escrever esse palavrão que significa “Horas de Funcionamento”. Pois é, o que não falta no alemão são consoantes juntas que, na mágica do uso desse idioma, funcionam e produzem significado.

Viajar pra Alemanha e sua capital Berlim foi mais do que um simples intervalo do trabalho. Em pleno inverno, a chuva e o vento quase não nos deixaram por um minuto sequer. O sol descansou e o cinzento da paisagem se manteve na maior parte do tempo.

Mas pra quem é poeta e gosta de tudo que leva à introversão, o tempo ajudou. O sol tem seu charme e vigor. A chuva também. A chuva é sensual e introvertida. Ela te leva a se encasacar e fugir da água, da rua, do mundo. E quando a gente foge do vuco-vuco ensolarado, a gente olha pra outras coisas.

Viajar pra Berlim foi olhar para o passado.

Não tinha como não ser diferente, afinal, é nessa capital conhecida pela sua cena cultural vibrante e eclética, com festa e balada sem hora pra terminar (mesmo), também é fonte inesgotável de História. E quanta História!

Nos perdemos pelas suas ruas em meio a esculturas, monumentos, museus, casas, tudo cheio de um passado muito presente, preservado e os alemães não têm pudor em manter as suas cinzas sangrentas vivas na memória daqueles que lá vivem.

Em Berlim, o passado doloroso, de erros catastróficos que impactaram o cenário do mundo inteiro, varrido de milhões de mortes em duas guerras mundiais, está petrificado em suas construções. Basta ir ao monumento do holocausto, erguido no centro turístico da cidade.

Não tirei fotos. Tata Lobo, o amigo que me recebeu durante os dias de estadia na capital germânica, logo me alertou: “Melhor não tirar fotos aqui”.

Quando eu tirei o celular do bolso, agi no impulso frenético de querer registrar tudo. Essa velocidade e ansiedade de exposição que nos rodeia e nos é metralhada o tempo inteiro. Compartilhe, compartilhe, compartilhe.

Fale pro mundo. Share.

No Memorial do Holocausto somos levados a um rio de tumbas cinzentas que crescem cada vez que avançamos para seu interior.

As tumbas ficam gigantes, escuras, trevosas. Ficamos miúdos, insignificantes. É como se a morte se erguesse e nos encolhesse, para dizer o quanto somos nada. Seguimos caminhando e os corredores parecem sem fim. Corredores de caixões que mais se assemelham a prédios. Prédios de cadáveres. Milhões de mortos, entre judeus perseguidos pelo regime Nazi, soldados, civis.

O mundo morreu um pouco pra pagar a realização das duas guerras, que mobilizaram, além de vidas, muita, muita grana, cientistas e pensadores que voltaram seus olhos para desenvolver armas e estratégias para toda sorte de ataque.

A energia da criação produziu uma criatura monstruosa que devorou vidas e destroçou famílias. E hoje o mundo se volta novamente para um novo cenário de guerra, agora acompanhada ao vivo.

Andamos em círculos. É como dizem os Historiadores e seus ciclos infinitos.

Avançamos, voltamos.

Mas voltamos os mesmos para o início?

E se não somos os mesmos, quando voltamos, será que voltamos?

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