Superar limites é uma tarefa que exige um esforço diário, o emprego de uma energia extra no desenvolvimento de habilidades. Neste momento, estou aprendendo a dirigir e prestes a prestar exames para tirar a carteira de motorista. E também trabalhando na publicação de meu primeiro livro de ficção, um projeto iniciado em 2019, quando ainda vivia na Irlanda.
Mas meu atual eixo profissional e pessoal é meu trabalho enquanto guia turístico e animador (às vezes, e porque não mais o segundo do que o primeiro…)
Cada viagem, cada momento em conexão com pessoas é uma jornada diferente, uma experiência única. Estar rodeado de estranhos é superar essa barreira de estranheza todos os dias e buscar o principal: comunicar, entreter. Para alguns, o conteúdo é o mais importante.
Para outros, é a diversão, o lazer, a alegria. Hoje, no entanto, me dispus a superar barreiras internas para me comunicar com pessoas de uma região específica e bastante parecida com a minha, em termos culturais: a Espanha.
Na viagem, 18 pessoas de uma pequena cidade do centro do país (perdoem-me, eu não me lembro, agora, da cidade!), e dois portugueses. Era meu último tour, o quarto do dia, quando as energias já estão no final de seu armazenamento.
O mais engraçado, e o que se tornou recorrente, é que a última viagem do dia tende a ser mais explosiva e energética. Encontramos energia de onde não existe, e quando as pessoas estão no seu melhor estado de espírito, essa conexão é ainda mais saudável e vibrante.
E foi exatamente isso que aconteceu: eu me desafiei e propus a fazer a viagem inteiramente em espanhol, um idioma que tenho um nível básico, que eu não ouso dizer que seja espanhol propriamente dito, mas sim, o famoso “Portunhol”.
Para os falantes anglo-saxônicos, o Portunhol é a mistura do Espanhol com o Português, idiomas quase idênticos em termos de escrita e fala. Quem entende Português, consegue ao menos ler em Espanhol, e vice-versa. São línguas irmãs.
Mas para desempenhar meu papel, não basta apenas ser um bom falante de outro idioma. Tem que ser, também, ator. Tem que incorporar um personagem que encante, cative, comunique, se disponha ao julgamento alheio com vulnerabilidade, humanidade.
Bons personagens são feitos dessa matéria-prima: vulnerabilidade. Pessoas perfeitas nos cansam ou passam em brancas nuvens, porque nenhum de nós é perfeito. É a autenticidade, a famosa “idiossincrasia”, que faz os personagens serem fascinantes.
E o meu personagem é o típico brasileiro carismático, boa praça, com um sorriso no rosto e muita malemolência para saber improvisar e abraçar pessoas de todas as culturas.
O brasileiro que pode até não saber muito o que diz, ou que derrapa numa coisa ou outra, num conteúdo ou em outro, mas que tem o poder de se conectar com os diferentes, através da empatia e da simpatia. O brasileiro um pouco atrapalhado, adepto do humor físico, do deboche e do sarcasmo.
Esse mix de características faz o meu personagem, o Fausto, ganhar vida durante os 90 minutos de espetáculo em pleno anfíbio, um ônibus-barco que circula magicamente pelas ruas de Lisboa e seu Rio Tejo.
No passeio, pedi licença aos dois portugueses para falar um bom Portunhol; eles que, já com um sorriso no rosto, aceitaram a proposta, pois eu já tinha dado uma amostra da “novela mexicana” que viria a seguir: um espanhol meio torto, mas que consegue arranhar bem e, principalmente, se comunicar.
O sotaque rasgado, carregado de influências das telenovelas do méxico (Thalía, Maria la del Barrio), que amantes desse conteúdo latino conhecem muito bem, ajudou na compreensão do espetáculo. Aos poucos, e com muito esforço, e ajuda dos falantes nativos, consegui desenvolver o passeio, contando as histórias que todos os dias eu conto, na minha zona de conforto, nos usuais idiomas Português e Inglês.
Não foi fácil, foi desafiador, e a cada derrapada minha, uma ajudinha da plateia espanhola, que viu meus esforços e se divertiu ao compasso dos meus erros. Foi uma comédia de erros… que deu certo, vingou. Saí de meu conforto, de minha segurança, me expus ao “ridículo” num grupo sintonizado e bem humorado, em espírito de festa e fanfarra. A viagem correu com muitos risos e sorrisos.
Expus-me enquanto um ser humano frágil, mas com a boa disposição para aprender com o outro, com as diferenças culturais que nos distanciam, mas podem nos unir.
No final das contas, algumas lições aprendidas que podem ajudar na busca do carisma e de uma comunicação mais plena e, principalmente, afetiva:
– Ninguém sabe de tudo. Todos temos algo a dar e a receber, algo a aprender e a ensinar. Quando for falar em público, se cometer um erro, ria de si; se não souber, diga que não sabe. Mostrar-se vulnerável ajuda a criar conexão com a plateia. Sabe por quê? Porque todos somos seres em evolução e os outros verão você como “gente como a gente”.
– Olhe nos olhos de todos, ainda que por milésimos de segundos.
– Ouse. Eu ousei, pela primeira vez em minha caminhada como animador, fazer um tour em um idioma que não dominava, e como era visível que eu não tinha fluência, dei tropeços, mas não desisti, persisti, numa verdadeira ginástica cerebral. Calei vozes mentais que poderiam me reprimir, que poderiam dizer “não seja ridículo”. Eu segui em frente. Entre uma palavra em espanhol e outra em português, eu tinha todos a prestar atenção em mim, com os olhos bem abertos. Foram 90 minutos que se pareceram com 9 e, no final, aplausos.
-Entre no fluxo. Quando você cala suas inseguranças, aceita e recebe sua vulnerabilidade com afeto, e entra no modo Presente. O fluxo percorre seu corpo, não existe mais tempo, nem espaço, nem você mesmo. O ego, de Freud, entra em silêncio, e você é apenas sua pessoa, sem suas defesas e prepotências. Um estado meditativo que muita gente chama de Fluxo.
Entrar no fluxo é silenciar seus medos e se permitir navegar na tarefa, na beleza de suas limitações, na riqueza de sua fragilidade, na autencidadade valiosa de sua pequena identidade.
Em poucas palavras, que resumem bem tudo isto:
Não seja perfeito. Seja simples.
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