Ao sair do museu dos judeus, corri para o Museu de História da Alemanha, ainda que o cansaço me dissesse pra ir pra casa. Além do cansaço, tinha a chuva, o vento… tudo dizia pra ir pra casa, mas eu, hiperativo que sou, não conseguiria chegar em casa e simplesmente descansar.
Tentei pegar um ônibus. Perdido que também sou, o busão foi pra direção contrária. Desci e fui a pé para mais uma jornada museológica. Eu me lembro o quão alarmado eu fiquei ao andar pelas ruas de Berlim.
É o seguinte: no país, “bichinho” tem que seguir as regras mesmo, senão “bichinho” vai pagar multa sim. É multa pra tudo: multa pra quem joga lixo na rua, pra quem não faz coleta seletiva, pra quem baixa torrent. A multa que mais me preocupava era a multa pra quem não andasse na faixa de pedestre. Fiquei noiado.
Lembro que eu fiquei quase uma hora paralisado pra atravessar uma pequena rua que não tinha faixa. O que eu faço, meu deus do céu? Tomei coragem e atravessei quando achei que podia.
Quando o fiz, me senti um maloqueiro. Ah se eles soubessem o que é malouqueiragem de verdade… Nisso, passou um ciclista que disse alguma coisa que eu não entendi. Eu falei, “sorry”. Ele nem tchum pra mim. Já fiquei pensando na manchete de jornal: “brasileiro preso por atravessar a rua”.
Cabeça foi longe. E o medo de levar uma dentada no bolso também.
Quando cheguei ao Museu Histórico Alemão, eu estava cansado, mas consegui pagar entrada mais barata por ser estudante. A exposição “Karl Marx e o Capitalismo” (Karl Marx und der Kapitalismus) coloca no centro o pensamento desse polêmico filósofo que desperta admiração e ódio nos quatro cantos do mundo.
Assim como Hitler usou da ciência pra embasar a sua insanidade ideológica, o pensamento Marxista foi usado para apoiar cientificamente o estabelecimento de regimes como o de Lenin. Marx reconhecia o quanto a revolução industrial facilitou o acesso a bens tecnológicos e de consumo para uma parte maior da população, mas condenava a desigualdade social que o próprio capitalismo gerava, o grave distanciamento entre ricos e pobres. São contradições sem sinal de que um dia mudarão.
Os estudos de Marx provocaram uma verdadeira revolução na sociedade e longe estou de querer resumir tudo o que eles tratam. O Capital é sua obra maior, onde ele analisa as engrenagens do capitalismo com profundidade e o quanto somos influenciados por esse sistema responsável por redefinir os costumes sociais. Muita História, Sociologia e Psicologia.
De modo particular, o que eu achei interessante na visita à exposição não foi a visita em si, mas a forma como ela foi divulgada. O design alemão é mundialmente conhecido e consagrado (e claro que fatores históricos explicam sua força; de maneira bastante resumida, a propaganda da guerra ajudou a desenvolver significativamente a publicidade).
Por onde quer que andemos em Berlim, cartazes se espalham por todos os lugares (a cultura revive, após o quase catastrófico intervalo pandêmico). Eu lembro que comentei com meu amigo a sutileza dos cartazes: apenas foto e uma ou duas palavras sobrepostas com a informação essencial sobre o evento. Tudo muito simples e direto, mas que informa e tem, ao seu jeito, um estilo, um charme.
Os próprios cartazes da exposição de Marx têm uma coloração atraente e divertida, com um cor-de-rosa choque bastante vivo e pulsante, uma arte pop elegante e gostosa de ser vista. O que me levou à exposição foi também esse apelo repetitivo dos cartazes e o efeito inconsciente que eles me provocaram.
Ainda, o que posso agregar dessa exposição, de modo bastante particular, é perceber que os desejos de consumo são basicamente os mesmos de sempre. Queremos usufruir de coisas, sentir, experimentar coisas diferentes, ter mais conforto, pensar menos em problemas. O capitalismo entrega isto com a renda, a economia de escala, em que coisas são produzidas para uma grande escala ou grupo populacional.
Ao mesmo tempo, nos tornamos dependentes desses objetos, dessas experiências. O que seria se não as tivéssemos? Infelizes? Ou não? O que é ser infeliz?
Daí vem o minimalismo, bastante discutido hoje em dia. Lutar contra essa dependência é uma guerra diária. Quanto mais consumimos, mais queremos. Quanto mais consumimos, mais destruímos o planeta. Ou será que o planeta se reinventa?
Ou será que temos o poder de nos reinventarmos? Ou será que vamos ter que nos reinventar em outros planetas, como em Interestelar? Será que vamos ter de destruir tudo e partir para outras dimensões em busca de mais ou do mínimo?
Como será?
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