Berlim. Capítulo 2: Vidas caídas

Escultura da Anne Frank em moeda, disponível no Museu Judaico de Berlim.

Eu sempre fui um aluno arredio pra aulas de História. Achava um saco ficar sentado numa cadeira ouvindo um professor por horas falar sobre conflitos, datas e nomes que a minha imaturidade nunca alcançou até então. Gostava das fotos, dos mapas, mas odiava ler sobre reis e rainhas.

Gostava mesmo era de desenhar no caderno ou ficar conversando com um coleguinha. Amava quando as aulas eram interrompidas para algum aviso da direção. Todos os anos eu dançava no São João, porque assim eu podia sair das aulas pra participar dos ensaios.

Não culpo os professores, afinal, não é fácil motivar adolescentes para o estudo da História quando um sistema educacional injusto os desencoraja no dia-dia, com salários e condições de trabalho que tornam a atividade docente pesada. Mas hoje vejo o quanto a disciplina faz falta no mundo contemporâneo, onde as fake news se espalham na velocidade da luz e fatos são recontados para favorecer grupos sociais hegemônicos.

Ali, em Berlim, a História é viva e pujante.

No meu primeiro dia, o Brandesburgton, o portal de Brandeburgo, com sua exuberância e majestade, mostra a força desses conflitos na construção da cidade. Por esse portal cruzaram homens levados ao serviço militar para um trabalho suicida. O sopro da morte no pescoço dos que eram levados pela propaganda militar financiada pelo Estado.

Passar por Berlim sem mergulhar nessa viagem ao passado é perder a chance de entender melhor o que somos. E se existe ferida sem perdão essa atende pelo nome de holocausto. No Museu dos Judeus podemos compreender melhor a saga desse grupo de origem a se perder no próprio tempo.

Quando cheguei, fiquei bobo: entrada gratuita. Não acreditei. Foi entrar no museu e meu celular descarregou. Corri em busca de ajuda. Não tinha e nem tenho power bank.

E foi então que descobri carregadores de celulares deixados lá. Não tinha como visitar o museu sem registrar fotograficamente esse passeio. Por etapas, o museu nos leva a conhecer o mundo dessa comunidade quase dizimada na segunda guerra.

Confesso que estava a esperar pelo pior, imagens fortes dos campos de concentração, cenas de fazer o estômago dar voltas. Nada disso. Ou algo similar e mais inteligentemente pensado.

Entrada do Museu

O primeiro espaço da exposição permanente do museu é um corredor labiríntico com o piso que se eleva quando mais avançamos.

As entradas e saídas são disformes e assimétricas, de modo que não existe uma direção clara para onde estamos indo. Nas paredes, pertences e documentos dos judeus. Ao fim desse andar, nos deparamos com uma pesada porta que nos leva a um simulacro de uma câmara de gás.

O lugar é pavoroso e sufocante: é o único lugar do museu sem controle do clima e é construído como um cubo com o teto livre, aberto. Nas paredes, buracos, que remontam os compartimentos por onde o gás era eliminado.

Fiquei pouco tempo ali. Entrei com um grupo que passou alguns minutos e logo saiu. Fui atrás. Não tive coragem de ficar ali sozinho. Não deu. Ao sair desse espaço, a instalação Falling Leaves (fotos abaixo) me impactou profundamente.

Nela, outro corredor estreito é coberto por esculturas de ferro pesado que representam o rosto dos mortos. Cerca de 10 mil faces se espalham pelo chão e quando caminhamos por elas, o barulho do ferro a tocar o outro, misturado ao silêncio, é assustador.

O autor, Menashe Kadishman, israelense, faz uma comparação poética das folhas caídas das árvores com as vidas caídas, deletadas pela violência. Sem sombra de dúvidas, uma instalação que mexe com seus sentidos. Para além desses locais, o Museu explica o surgimento do partido nazista na Alemanha e sua seguinte perseguição aos judeus.

Em um período marcado pela miséria generalizada, o pensamento democrático fazia pouco sentido de existir para uma população faminta e não escolarizada.

A insatisfação popular foi motor para a ascensão de Hitler, que usou de embasamentos pseudocientíficos pra justificar a sua perseguição aos judeus e o irromper de uma guerra.

Longe estou de querer ser historiador, mas hoje vejo a similaridade entre esse passado que, na minha cabeça de adolescente, estava apenas digitado em livros, e o mundo de hoje, em que líderes baseados em argumentos parecidos são eleitos.

Você é o Messias? Neste jogo, o participante responde a uma série de perguntas e, ao final, soma os pontos para saber quais as chances de se tornar um Messias. Uma questão me chamou atenção mais que as outras: Você é homem? Se a resposta for negativa, adeus.

A coisa é grotesca. Tão grotesco é ver que esses discursos ainda repercutem e influenciam malucos pelo mundo afora. E hoje essa influência está devidamente digitalizada.

Nunca precisamos ser tão atentos.

Como já disse Gil/Caetano, É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte. Atenção para o sangue sobre o chão.

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