(English below) Desde pequenos, vemos nos desenhos animados ou filmes a figura do diário, um objeto carregado de significado afetivo e sentimentalidade porque nele está aquilo que possibilita pessoas e sociedade serem o que são: memórias. Escrever memórias é escrever histórias, inícios, meios e fins, que nos colocam no mundo e nos fazem perceber a realidade, caótica e sem sentido quando solta, coesa e compreensível ao fazer parte de um “faz de conta” com palavras e personagens.
Se a literatura e a arte se apossam das memórias para criarem mundos e conceitos – sendo registros permanentes dessas histórias – as tatuagens, ao fixarem sob a pele esses universos, carregam ainda mais força, perenidade e significado.
Em “Drawing Memories”, o olhar do público é conduzido numa viagem pelo corpo feminino repleto de desenhos, lembranças, nuances. A personagem está no seu quarto, na companhia de si mesma, em um momento de sensualidade, empoderamento e autocontemplação. Em sua pele, as memórias redesenhadas sob as tintas de tatuagens que evocam passado e presente, com um grau de subjetividade elevado à máxima potência.
Todo esse mergulho num infinito particular ocorre em um breve, efêmero, trivial momento em que ela saboreia um cigarro e se deixa levar pelas suas sensações. O clima intimista do ambiente é iluminado por um isqueiro, conduzido por uma mão masculina, que percorre e desvenda a pele e mostra ao espectador as histórias, como se fosse o próprio a viajar nesse mapa de lembranças. Cabe ao público imaginar, criar suas impressões, ilusões, fantasias, conceitos e preconceitos sobre as tatuagens que a mínima chama desvela.
A iluminação da sala também é especialmente elaborada por duas lâmpadas de LED, cuja coloração se metamorfoseia ao compasso da trilha sonora e do percurso da câmera, com diferentes velocidades, ângulos e takes. A luz também entra no ambiente através de uma janela, elemento indispensável para alimentar a intimidade desse encontro entre espectador e personagem, que é vista como se estivesse sendo observada por um espião voyeur.
Luz, sombras e silhuetas ganham ainda mais destaque visual com a fumaça do cigarro, que alimenta o mistério e a estética noir do filme. Ao término desse percurso, narrado em silêncio, com um forte apelo poético visual pincelado com erotismo, a fumaça se apaga. O fim do cigarro também arremata o fim desse curto período de deleite da personagem em torno de si mesma e, consequentemente, o fim da história, na escuridão de seu quarto, que se assemelha à escuridão da própria sala de cinema.
Realizadora: Melissa Gomes
Roteiro: Melissa Gomes, Daniel Oliveira, Walber Lins
Direção de Fotografia: Walber Lins
Assistência de Fotografia/Produção: Daniel Oliveira, Fausto Muniz, Cybelle Mendes.
Montagem e Trilha Sonora: Cybelle Mendes
Elenco: Anna Queiroz, Bruno Bonoto
From an early age, we see in cartoons or films the figure of the diary, an object loaded with affective meaning and sentimentality because it contains what enables people and society to be what they are: memories. Writing memories is to write stories, beginnings, means and ends, that put us in the world and make us perceive reality, chaotic and meaningless when released, cohesive and understandable when being part of a "make-believe" with words and characters. If literature and art take hold of memories to create worlds and concepts - being permanent records of these stories - tattoos, when fixing these universes under the skin, carry even more strength, perpetuity and meaning. In “Drawing Memories”, the public's eye is taken on a journey through the female body full of drawings, memories, nuances. The character is in her room, in the company of herself, in a moment of sensuality, empowerment and self-contemplation. On your skin, the memories redrawn under the inks of tattoos that evoke past and present, with a degree of subjectivity elevated to maximum power. All this plunge into a particular infinite occurs in a brief, ephemeral, trivial moment when she sips a cigarette and lets herself be carried away by her sensations. The intimate atmosphere of the environment is illuminated by a lighter, led by a male hand, which travels and unveils the skin and shows the viewer the stories, as if he were himself traveling on this map of memories. It is up to the public to imagine, create their impressions, illusions, fantasies, concepts and prejudices about the tattoos that the least flame reveals. The lighting in the room is also specially designed by two LED lamps, whose coloring is metamorphosed to the beat of the soundtrack and the camera's path, with different speeds, angles and takes. The light also enters the environment through a window, an indispensable element to feed the intimacy of this encounter between spectator and character, which is seen as if being observed by a voyeur spy. Light, shadows and silhouettes gain even more visual prominence with cigarette smoke, which feeds the mystery and the film's noir aesthetic. At the end of this journey, narrated in silence, with a strong visual poetic appeal brushed with eroticism, the smoke goes out. The end of the cigarette also concludes the end of this short period of delight of the character around herself and, consequently, the end of the story, in the darkness of her room, which resembles the darkness of the movie theater itself.