A zuadinha de chave chacoalhando na mão era sinal de que um dos mais queridos andarilhos da pequena cidade estava se aproximando. Era um homem baixinho, mas que sempre andava muito bem arrumado, camisa ensacada, bem passada, botas polidas e uma aparência de limpeza impecável.
Esse moreno tinha passos rápidos, decididos, firmes. Pisava o chão com força e energia, parecia que estava sempre atrasado, indo tirar o pai da forca. Embora sempre apressado, tinha um sorriso fácil e uma gargalhada divertida, fininha, ao contrário da sua voz grossa e sempre certa do que dizia. E como essa voz era certa, de teimosia sem fim, sem parar, estando o andarilho certo mesmo ou errado assim.
Ele resolvia tudo: era pau pra toda obra, presente na hora do aperto, do afrouxo, do carro que cicrano não sabia dirigir, do documento pra desenrolar pra ontem. O danado era virado no mói de cuento, e colecionava amigos como quem coleciona carta de cobrança no final do mês: um atrás do outro. E na boemia, ele era uma festa à parte: um quartim de cana aqui, outro queijo partido ali, ao som de Adilson Ramos, Zezé e Luciano, Roberto Carlos e Leonardo Sullivan, a risadagem ia até tarde.
Mas um dia, a chave parou de balançar. E o riso frouxo, fininho, foi ficando cada vez mais baixinho, mais baixinho e mais baixinho até se tornar um sussurro, um pedacinho de voz. E o andarilho se aquietou. Ficou triste, olhos silenciosos. E saiu pra dar uma volta sem avisar, aos 50 e poucos anos.
Hoje, essas palavras custam sair. Mas de palavras eu vivo, de palavras eu respiro, pois, embora macaco véi, ainda me confundo na tabuada de 7, 8 e 9.
E é com essas palavras que eu presto esta singela homenagem ao andarilho que vai deixar de rodar a pequena cidade de Vicência, andar pela Rua da Feira logo cedo pra comprar banana, inhame, macaxeira, tomate. O andarilho mais fiel do bar de Alfredim, quase o segundo dono, um rochedo pra segurar qualquer um, seja no não, seja no sim.
Não entendo a vida, prefiro vivê-la, e a vida dele ainda estará viva dentro de cada um de seus sobrinhos, amigos, primos, irmãos, irmãs, cumpádis, cumádis, filhos, filhas e sua inabalável, incansável, incessante esposa. Uma esposa que nunca cessou, nunca esgotou, nunca deixou faltar uma gotinha de Esposa, de Mulher, numa parceria admirável, que emociona, mexe com a gente. A gente vai sempre te amar, vi? E vamos usar as chaves que você tanto balançava para abrir as portas para sua nova vida.
Cadê tu Raimundo? Tu tá aqui.
Com Deus, siga sua jornada.
Pra gente, você é mais que Raimundo.
Você é RAIMUNDIM.